sexta-feira, 29 de junho de 2007

O material do qual os sonhos são feitos

Eis do que os meus dias normalmente se compõem. Muito mais que uma queixa procuro deixar-vos aqui um pequeno testemunho.

Encontro-me na Dinamarca, numa cidade que parece pequena, mas que tem duzentos mil habitantes. A calma impera, os dias são tranquilos, os pássaros cantam, o sol retira-se com vagar do dia. Estou aqui para regravar temas muito antigos que, por acaso, voltaram à nossa vida com um vigor e verdade que, confesso, não esperava. Mas outros contarão esta história. Noutros lugares. Hoje gravei três músicas. Foi o meu primeiro dia. O resto dos dias entretive-me a escrever, a descansar, a jogar Age of Empires, a ouvir música, a comprar pão e cerveja, a administrar concertos e viagens, e pouco mais que já é muito.

A minha pacata existência só foi perturbada por duas coisas (além das óbvias saudades):

-Os Type O Negative tocaram pela primeira (e talvez única) vez na minha cidade, Lisboa. Apesar de os ter visto por dezenas de vezes, nos mais diversos países, nos mais diversos estados pelos quais as bandas passam, do absoluto esplendor até à extrema fragilidade, este concerto era para mim muito, muito especial por razões que são, também elas, muito especiais. Alguma pessoais em demasia até para este blog; outras que nasceram de conversas com os próprios Type O (sabem bem o quanto os Portugueses gostam de falar do seu país, especialmente quando estamos fora dele), e também por todos os sonhos vividos em Portugal por altura do Bloody kisses que mudou a minha vida, e um muito intenso etc. Pois bem, Quarta Feira, dia 27 de Julho de 2007, eu não estava lá. Hoje é dia 29 e comecei a gravar.

-No dia 26 recebo uma chamada da Universal. A pergunta é directa: queres ir entrevistar os Metallica para o Top +? A resposta sai engasgada...estou na Dinamarca. Ainda me lembro de quando ouvi Metallica pela primeira vez, o Battery (com que encerraram o set de ontem) numa cassete de crómio, num walkman barato. Não descansei enquanto não comprei o LP do Master e ainda me emociono só de pensar na ideia de falar cara à cara com os Metallica pela primeira vez. No Rock in Rio nem me aproximei deles tal era a timidez. Esta entrevista, if nothing else, era a oportunidade perfeita de quebrar o gelo e prestar vassalagem. Hoje é dia 29 e gravei três canções. Três.

Para vos ser honesto, visceralmente honesto a mim não me importa se o Pete Steele está com problemas (importa-me como amigo, claro) e se não tem a frescura de outros tempos. Como fã soube sentir, intuir e ouvir o Dead again, que é um dos meus discos preferidos deste ano e penso que durará tal como duraram World coming down e Slow deep and hard. Não me importo sequer se o pessoal estava calmo, cínico, perdido à espera do passado, proibido por isso de aproveitar o presente (um pouco de Nietszche caíria aqui bem). Importo-me é de não ter lá estado para os receber, apoiar e retribuir com um abraço, vinho, pastéis de nata, calor, café, tudo, pelo quanto foram generosos em me dar desde o verde paganismo urbano dos parques de Brooklyn até à dor honesta de World coming down ou a paranóia assumida de Dead again.

Para vos ser honesto, não me importa que os Metallica tenham cortado o cabelo, feito aquele filme absurdo, processado o Napster (acho que até fizeram bem!), ou assassinado uma canção de Nick Cave. Gostaria de os ter entrevistado, de ter apertado as mãos que fizeram o Blackened, o Orion (que tocaram!!!), de lhes dizer uma palavra tímida e gaga, de os sentir e de lhes agradecer a generosidade que os tornou, sim, milionários e a mim, em muitos momentos, mais forte, mais sonhador, mais vivo.

Talvez eu esteja mais habilitado a pesar estas coisas porque as vivo em pequena escala. Sei bem da ingratidão dos julgamentos públicos, das opiniões que omitem o que em dada altura foi recebido com entusiasmo e devoção e tudo isso .

Lá fora a cidade de Arhus respira tranquila e cinzenta. Eu vou-me esquecendo do que passou mesmo agora, apesar da vontade em me sentir mal por causa destes sonhos desfeitos. Mas a idade tem-me trazido a capacidade de lidar com o "não se pode ter tudo". Bem, o magnésio e o yoga ajudam, também. Por vezes, confesso, tive vontade de acabar este artigo com algo do género "se depois destes sacríficios, alguém puser em causa a minha dedicação pode ir à...". Mas não. Sei que faz parte do jogo. Sei que a minha dedicação, como a de tantos outros, vai ser sempre posta em causa. Mas isso cada vez importa menos. Não vi Type O em Lisboa, não entrevistei os Metallica. Trabalhei durante anos para isso e para muito mais. Continuo a trabalhar. Aliás amanhã às 9 em ponto no estúdio. Talvez a minha realidade não seja entrevistar os Metallica. Talvez isto, talvez aquilo.

Aquilo que sei é que o sacríficio é o material do qual os sonhos são feitos.

Bom fim de semana a todos. Capítulo encerrado, volte-se a página. É Lua cheia.

16 comentários:

Emanuel disse...

verdadeiras palavras de um verdadeiro fan de Heavy Metal! Muito bem Fernando, muito bem!!!

Fátima Inácio Gomes disse...

Não estás só... eu também não os vi, a ambos, porque trabalho.
De repente, vi-te a meu lado, de rosto fechado, a remoer a vida, a pensar até que ponto o curto trajecto de vida se equilibra entre o prazer e o dever...

Foi um raio de luz, ler-te hoje.

Joaquim Esteves disse...

Fui a Metallica...gastei os ultimos trocos de um verao mal passado, a trabalhar nas piores condições...valeu cada centimo, cada gota de suor, cada desilusão, cada berro do encarregado.
as sensações pelas quais passei neste concerto foram das melhores que um metaleiro pode ter durante a sua vida!inesquecivel!!!

de facto, tenho pena por ti, por nao teres conseguido realizar alguns dos teus sonhos...essa frustração,por vezes pode ser sufocante e mt,mt,mt constrangedora!
tocaste num ponto que achei curioso: o português gosta mt d falar da sua terra, quando esta fora. quando me dirijo ao estranjeiro,nas minhas incursoes fastidiosas, para uns belos meses de trabalho, todos os meus colegas (de que nacinalidade forem), levam com a minha dose de "portuguesismo". nao sei, ha algo intrinseco a nos, que carregamos uma bandeira sempre que nos deslocamos, queremos mostrar o que é bom e do melhor no nosso fim de mundo, a beira do atlantico, sobrepondo tudo o que esta de errado por estas paragens!

Best regards

P.S.- O mais engraçado, é que quando digo eu sou português, todos sabem dizer palavroes,na lingua de camoes!fantastico!!

Carlos Ferreira disse...

Compreendo cada palavra (ou pelo menos tento). Estive nos dois concertos, e foram como já deves saber muito bons, em Type O Negative lembrei-me de ti bastantes vezes, vi por lá o Peixoto, o Luis Batista, a Patricia, etc... deixo-te aqui 2 links (caso ainda não tenhas visto nada) com reportagem + fotos e video de Metallica e Type O Negative, não é a mesma coisa, mas fica a intenção...

Type O Negative:
http://www.musica.iol.pt/noticia.php?id=826286&div_id=3321

Metallica:
http://www.musica.iol.pt/noticia.php?id=826798&div_id=3321

Abraço,
Carlos Ferreira

Vanity Chair disse...

Esta reflexão veio de encontro a uma questão que me inquieta interiormente desde algum tempo mas que se manifesta em alta voz desde o concerto de Type O.
O que é ser fã? O que é gostar com todos os sentidos que nos são permitidos?
Para mim, a música é uma Arte (não toda a música, mas isso é pertinente, subjectivo.Um item demasiado pessoal e discutivel.Apenas pensando na música e na sua universalidade, jà faz dela uma Arte).
Sou fã de Type O. Com todos os defeitos e qualidades que a sua música encerra.Sou fã. Posso não gostar do penúltimo album,porque não me tocou , porque as minhas expectativas não foram correspondidas(egoisticamente falando),etc...
Sou fã.
A Quarta-Feira que passou (infelizmente tão efémera), foi para mim um momento esperado desde hà muitos anos. Desde que ouvi aquela voz grave numa cassete, num walkman que foi a extensão do meu corpo durante as viagens curtas(que eu desejava serem mais longas para fechar os olhos e me deitar em "Bloody Kisses").
Do Walkman ao Ipod...
Sem me querer alongar por estas evoluções tecnológicas...
O dia 27 de Junho de 2007 vai rejubilar sempre na minha memória.Tornei-me adolescente com todos os defeitos e feitios apropriados salutarmente à idade que nessa noite não era a minha.
Foi especial ver aqueles senhores de Brooklyn com todos os seus defeitos e feitios, humanizados, fragilizados pelo tempo.Serem o que são no Presente e não o que os fãs queriam que fossem. Ser fã é fácil até nos tocarem no egoismo.Quando o ouvido umbiguista nos sussurra ao ouvido já seremos algo mais perverso.
Nesses momentos já achamos que por sermos fãs, temos todo o direito de opinar negativamente, de dizer que tecnicamente não foi bom, que não tocaram o que os fãs queriam,mais haveria para enumerar, mas sinceramente acho muito pobre continuar esta descrição.
Já em Nin Inch Nails tinha ouvido zumbidos longuiquos em som de queixume...
São fãs? Ou pretendentes a critícos/músicos frustrados?
Na minha humilde opinião de fã, quando se vê uma banda pela primeira vez, o mais importante é receber e agradecer por aquele momento existir.Talvez nunca mais se concretize. Receber de coração e ouvidos abertos a fragilidade,humanidade e artisticidade de uma banda que está no palco. Antes de nós gostarmos já eles existiam.Já eles sentiram e pernoitaram infidavelmente nas questões conceptuais,nos acordes, nas vocalizações,nas letras,num mundo interminável que inquieta qualquer alma criativa.Para o fã existir, a banda tem de passar muitas horas a compor, a sentir,a reflectir, a afirmar-se enquanto objecto artístico.Muitas vezes penso, que nos dias que choram existe uma ideia deturpada. Aos meus olhos penso que muitas vezes, os fãs se julgam criadores. Porque opinam nas questões mais...(nem tenho palavras para ilustrar).
Criadores?De quê?
A música precisa de ouvintes mas de coração aberto e puro.
Critícar sim, mas saber fazê-lo. Se a música se desenha tão bem nas vossas vidas, porque não interpretar as entrelinhas?
Se estão no palco é por elas e por vós. A generosidade não existe no vocabulário de um fã?
Fico triste e constrangida quando um fã se queixa. Mais do que não gostar,isso, todo o direito lhe assiste. Não discuto o básico de gostar ou não, discuto as exigências das entrelinhas. A presunção elaborada de quem se intitula fã.
Dia 27 foi um dia muito especial para mim. Tocaram bem, mal?Estiveram ali por estar,estiveram ausentes, mecanizados pelos corpo que não assiste à alma?
Obrigada por estarem, por existirem no meu walkman,ao longo da minha vida.No meu sono,no meu acordar.Fiquei Feliz.E nada mais posso exigir porque eles adormecem tal como eu.
Ouvindo:"The Least of Worst"-Type O Negative

Pixelate disse...

O dia 27 de Junho de 2007 aconteceu. O tal dia que eu muitas vezes acreditei que não aconteceria. Aconteceu. Foi surreal. E não consigo pensar numa melhor forma de passar aquela noite.
O público não vive da banda. A banda vive do público. O público consome-a. Quando alguém rompe a relação, contribui mais um bocadinho para a deteriorar.
Comprar o bilhete, para ver os homens de verde e não aproveitar para se divertir, parece-me um desperdício. Não o fiz. Gosto de pensar que dei o meu contributo. Estranho. Nada me impediu de cantar, nem de dançar. Tudo depende da forma como se escolhe passar os últimos minutos de vida com alguém que se gosta. Espero ter acrescido qualquer coisa à parte muito bem humorada dos Type O Negative... o humor deles sempre foi muito característico. É por isso que gosto. Gosto da maneira como eles escolheram rir. Repito o que já disse: o concerto da minha vida já aconteceu. Bem vistas as coisas, e revista a minha teimosia, Type O Negative é a minha banda favorita.

Guilherme Röseler de Carvalho disse...

Fogo, que oportunidade :/
Deixa lá... outras oportunidades virão, pensa que foi por uma boa causa,pela TUA/VOSSA música... Não é por acaso que tem o sucesso que tem, mas sim por muito suor, aniversários e funerais perdidos... pensa apenas que vais (já tiveste e tas a ter)a retoma de todos esses teus esforços...

Fátima Inácio Gomes disse...

Prestei a minha homenagem ao Fernando... aliás, como fã de Moonspell, ficou-me por agradecer aquelas três músicas gravadas, sacrificando TON e Metallica... no fundo, foi um sacrifício por mim...

Tenho que prestar a minha homenagem, ainda, às belíssimas e poderosas palavras do/da Vanity. Criaste um texto maravilhoso, profundo e autêntico. Criaste, na verdade, o texto que melhor reflecte, do outro lado do espelho, o próprio sentir do Fernando e que, por certo, o fará sentir que todo o seu sacrifício não é em vão.

"São fãs? Ou pretendentes a critícos/músicos frustrados?
Na minha humilde opinião de fã, quando se vê uma banda pela primeira vez, o mais importante é receber e agradecer por aquele momento existir".

Amen.
Obrigada.

Unknown disse...

De uma maneira fútil e talvez sem grande razão de ser, venho dizer para não perderes a esperança, quanto ao não voltares a ver TON na nossa terra! O mesmo dizia-se de Metallica aquando a sua passagem no RIR, e como podemos constatar todos, eles cá estiveram novamente, e mostraram que ainda andam aí para as curvas. Não que tenha visto, mas músicos de exímia qualidade não se pode esperar outra coisa... Por isso, ainda acredito que Type volte... um dia! Mas pensa de uma forma positiva... Ao menos gravaste três músicas, que com toda a certeza, te deram um gozo do c...

Um estimado abraço, Leandro Soubast!

Grind On disse...

Não digo que não seja frustrante, mas Fernando o que construiste com os teus compinchas de Banda, deve-te encher muito mais as medidas do que teres vindo ver Type O ou entrevistar Metallica. E foi essa obra que te impediu.

Vocês são a unica banda de metal portuguesa que vive da musica que faz. Isso sim... é um grande feito.

Tu estás na Dinamarca a gravar os teus temas. Eu estou no trabalho de fato e gravata, com os phones a bombar o Penetralia de Hypocrisy. Vi Type O, mas trocaria de lugares contigo num apice! Acho que muitos mais o fariam.

Cada um com a sua cruz (invertida claro)!

a.t.c. disse...

regravar temas?
dos moonspell?

cumprimentos

Francisco Rodrigues disse...

A simplicidade com que se transmite coisas complexas, especificamente ao nível do pensamento/sentimentos, não é tarefa fácil. Esta frase, "o sacrificio é o material do qual os sonhos são feitos", é um bom exemplo disso.

Lord of Erewhon disse...

Não perdeste nada em não ver Type O... foi uma masturbação para lolita-gó ver!

O melhor ainda foi quando, durante 2O segundos, o Peter ensaiou uma cover de Moody Blues... :) ... pena não a ter tocado!
E a parte mais «gira» foi quando o gajo puxou o longo cabelo branco do Cameraman Metálico, encostado ao palco no «time de tirar fotos às stars»... :)

Abraço, Fanã... faz boa viagem em todas as tuas viagens...

P. S. Infelizmente... sou obrigado a não te revelar quem sou: a eficácia da minha webpersona alimenta-se, no escuro, do anonimato... Mas sei que também gostas de máscaras... ;)

Anônimo disse...

Há medida que vou avançando neste blog mais ele se vai relevando uma caixinha de boas surpresas…
Há pouco em comentário ao teu “Portugal Quintal” eu escrevi em relação a ti “A resistência que mencionei atrás teve muito a ver com a timidez que senti…”.
E tu agora dizes, em relação aos Metallica que “Para vos ser honesto…Gostaria de os ter entrevistado, de ter apertado as mãos que fizeram o Blackened, o Orion (que tocaram!!!), de lhes dizer uma palavra tímida e gaga, de os sentir e de lhes agradecer a generosidade que os tornou, sim, milionários e a mim, em muitos momentos, mais forte, mais sonhador, mais vivo.”
É isto que torna vida tão extraordinária…A timidez, sob a forma de respeito e admiração, que todos nós sentimos quando estamos perante alguém que em muitos momentos nos tornou ” em muitos momentos, mais forte, mais sonhador, mais vivo”, incluindo aqueles que também nós admiramos.
Os Metallica surgem na minha vida em 1993 e os Moonspell em 1995, sendo ambas as bandas duas das minhas maiores referências musicais.
Eu também gostaria de cumprimentar e de sentir quem concebeu e tocou “Seek and Destroy”, “Sanitarium”, “Fade to Black”, “Ride the Lightning”, “Creeping Death”, “..And justice for all”, “Master of Puppets” ou “One”… No passado dia 28 de Junho, voltei a sentir ao vivo algumas destas músicas e outras. Foi um excelente concerto, quase tão bom como o de 1993 em Alvalade!
Mas também gostava de dizer a quem me fez sonhar com “Awake”,”For a Taste of Eternity”, “Raven Claws”, “Mephisto”, “Herr Spiegelmann”, “Full Moon Madness”, “Vampiria”, “Than the serpents in my hands”, “Rapaces”, “Mr.Crowley”, “Trebaruna” ou ”Alma Mater”… e que continua a inovar e a gravar, um obrigada por “Memorial”.
Sónia

boop disse...

estou viciada neste blog, e não faz ainda 24h desde que o descobri.
estou maravilhada com algumas descobertas, yoga?! fabuloso...

Anônimo disse...

This is great info to know.