sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Radioheroes

Começo à jornalista:

As últimas semanas no meio musical têm sido animadas pelo anúncio inédito/insólito/pioneiro (é so recortar e escolher) dos Radiohead que disponibilizaram o seu último disco In Rainbows através do seu blog, deixando o preço ao critério dos fãs. Também existe uma edição física que custa 58€ e que consiste em... etc. Acho que todas as pessoas interessadas quer na banda, quer no assunto saberão desta novidade.

É muito complicado levantar pontas a esta atitude e acção dos Radiohead. Começo por dizer que são uma banda fora do espectro do Metal de que gosto muito e que sigo com alguma atenção. As razões são em absoluto musicais e dentro dessas destaca-se para mim a coragem e o talento que serve essa coragem em percorrer um caminho muito próprio, a que se adiciona a vantagem de uma "educação" magnífica das massas cujos sentidos e neurónios são, e como, postos à prova por discos como Amnesiac ou Kid A, à partida registos num limiar progressivo e arriscado, mas que, atraem as pessoas pela mistura de estranheza visceral com sedução sensorial pura e dura. Para tal contribui o som, a dinâmica, a pele irregular das canções e o seu rumo imprevisto que, em todo o caso, conduz a uma experiência rara e única.

Por estes dias os Radiohead encontraram paralelo à sua música e caminhos privados numa forma original de distribuir a sua arte sem o auxílio de intermediários. Adianto desde já que pretendo apenas lançar algumas outras ideias que não têm em vista diminuir a ideia dos Radiohead. Pelo contrário, acho que, de todas as formas com que já contactei de tentar alternativas às vias de distribuição clássicas ou adaptadas e todos os problemas conhecidos que daí advém, esta foi a que me entusiasmou mais:

- Porque disponibiliza ambos os formatos aos ouvintes. Porque lhes permite uma liberdade de escolha assinalável. Porque os responsabiliza perante uma escolha livre de preço, jogada inteligente, pois consegue ir directamente ao âmago da questão interior com que algumas pessoas, louvavelmente, ainda se debatem. Porque aproxima os Radiohead do seu público que os perspectiva como uma banda verdadeiramente independente, talvez a maior das bandas independentes agora, em todos os seus momentos, quer criativos, quer administrativos. E outras razões me ocorrem mas fiquemos por aqui.


No entanto, permitam-me tecer algumas considerações:

- Por um momento, depois dois e por aí fora até ao pensamento comunicado, achei que também há algo de “control damage” nesta acção. Vejamos…o disco ser vendido por um preço “justo”, considerando que não seria comprado no circuito tradicional mas online seria algo que se podia atingir na mesma, através de plataformas preparadas para tal. Os Radiohead pensaram nisso, com toda a certeza e ao “monopolizarem” e chamarem até si essa função ganham em direitos (que não dividem com ninguém, à partida, sendo até que não há lugar, que se saiba, a fixação do disco, à emissão de licenças mecânicas, por aí fora) e ganham uma promoção incrível que budget algum jamais poderia alcançar (notícias por toda a parte sob as mais diversas formas) e o já citado respeito público.

O disco, sem ingenuidade, estará também disponível em todas as plataformas ilegais de Leste a Oeste, a seguir ao filme porno do momento, antes da série da HBO que toda a gente anda a ver agora. Irá sempre existir contrafacção do disco, pessoas que não se querem registar e adoptar a técnica bilhete de museu/disco, por vergonha de nada dar, por preguiça, por subversão, por mera curiosidade da posse. Ou seja, o que os Radiohead fizeram, todas as bandas, involuntariamente o fazem ao lançarem música e querê-la promover. Os discos vão parar à net, sem espinhas, e o critério usado nem é o de faça o seu preço: o preço é zero, porque esse é o valor que atribui a um disco quem atalha vontades pioneiras e faz tábua rasa das despesas e responsabilidades das obras. Ademais, junte-se a isto as percentagens de editoras, lojas, estúdios, produtores e chegar-se-á à equação Radiohead/control damage=aposta ganha.

Os Radiohead “ganham” sim, mas num contexto de perda para todos. Acredito que tal disponibilidade depende do tempo, do contexto e da necessidade de adaptação. Como queimadas na floresta para salvar espécies raras e limitar a destruição. Esta vitória sabe bem na superfície mas revela um mundo profundamente assustador onde as pessoas ouvirão música sozinhos à frente de um ecrã, deixarão de frequentar lojas de discos e possivelmente trocar experiências e gostos, milhares de pessoas perderão os seus empregos (para alguns até é bem feito mas...) e deixaremos de manusear objectos com algum calor para os trocar por assépticas copias. Protesta-se: mas há a net! Pois há e a net está para o contacto humano, como o mp3 está para o vinil. Frio, prático e muitas vezes ilegítimo.

Finalizando, louvo e admiro e até invejo esta acção. Mas, sei também que só é possível o seu sentido numa lógica de control damage e, acrescento, esta solução está reservada só ora quer a grandes bandas ou a bandas que começam. A maioria (que está no agitado meio, mais próximo do auge, ou, perigosamente, do fundo) não pode fazer isto pois depende ainda da venda de discos para despoletar muita outra coisa, ao contrário do que se convencionou e que, muitas vezes, nada mais é que uma desculpa de mau (inexistente) pagador. Não é líquido que quem poupe num disco invista num bilhete para concerto ou numa peça de merchandise, apesar das sondagens muito mais orientadas para o topo da pirâmide que para uma apreciação global (falem com promotores e verão a realidade das assistências e do passivo gerado pela falta delas).

Nem todas as bandas são os Radiohead. Nem todos têm o Donald S. Passman como advogado, embora se possa e deva ler os seus livros. Não se deve, também, diabolizar as editoras. Já todos precisámos dos seus serviços, até os Radiohead e continuamos a queixar-nos se esses serviços não são feitos condignamente (promoção, por exemplo). O poder não pode estar todo de um lado. Nem do das editoras, nem do consumidor. Talvez os Radiohead consigam ensinar isso às pessoas através desta estupenda iniciativa que, como todas, não resolverá o problema; que, como todas, tem agenda própria como vimos (ou especulámos) mas que traz uma novidade ao poder absoluto do público (desde que existem os downloads gratuitos legais ou ilegais e não desde que podem escolher o preço do disco dos Radiohead ): o exercício da responsabilidade.

12 comentários:

andré henriques | Ah!photo disse...

Além da edição paga, já disponível actualmente, os Radiohead tencionam lançar a versão normal do álbum (por normal entenda-se CD físico, jewel case) durante 2008.

Por isso há fãs que estão a pagar o download agora e depois vão comprar o álbum quando sair, outros dão apenas um valor simbólico agora e depois comprarão o álbum.

Claro que haverá os que o descarregarão legal ou ilegalmente, pagando 0.

De qualquer das formas parece-me que sairão sempre a ganhar, tanto com publicidade, como financeiramente, pois as pessoas estarão a pagar agora, nem que seja um valor simbólico, pela oportunidade (legal) de obter o álbum antes deste ser lançado físicamente.

Tive o prazer de os ver num Coliseu do Porto há uns anos e foi uma coisa linda. Tocaram a Big Ideas, que no início se chamava Nude e no álbum voltou a ter esse nome, tocaram a Creep (coisa que não faziam há uns anos) e encheram o COliseu de fozes (muito) desafinadas mas cheias de sentimento e acima de tudo, deram um espectáculo do caraças!

São uma banda que têm um lugar especial no meu coração, ao lado dos Moonspell e tal como estes, têm demonstrado uma enorme inteligência, profissionalismo e cuidado com a sua carreira.

Desejo o melhor para ambas as bandas.

Fátima Inácio Gomes disse...

Ai, a Creep, a Creep... nunca a ouvi ao vivo, mas imagino. Tanta coisa vem ao de cima do fundo da minha melancolia...

Adiante. Quanto à iniciativa dos Radiohead... inteligente, porque aproveitou a inevitabilidade de algo e lhe tirou proveito e por tudo o que o Fernando já apontou...

Contudo, quando primeiro ouvi a notícia (foi na rádio), não consegui evitar a imagem do músico de rua, tocando umas melodias, esperando que o gentil público de ocasião deixe umas moedas no chapéu....
A rua dos Radiohead é do tamanho do mundo, o chapéu é virtual e mecânico, e eles mesmos pouco terão de "pobres pedintes"... mas a imagem colou-se, insidiosamente...

Já agora... comprei o Under Satanae. Não o deveria ter pago... o prazer que me está a dar não tem preço.

*wicked*

boop disse...

E qual a opinião em relação à forma escolhido pelos Einsturzende Neubauten? Diferenças àparte em relação aos Radiohead e em relação ao próprio lançamento, parece-me francamente interessante a forma como escolheram lançar o último álbum, completamente financiado pelos próprios fãs, através do site oficial e com a contra partida de assim receberem também algum material exclusivo. Confesso que - deve ser da idade - é difícil conceber para mim a existência de um álbum quando não existe "disco", pelo que, pague-se ou não, para mim um MP3 não deixa de ser isso mesmo - um ficheiro. Desta forma como fã de música, falando-se de experiências, a dos Einsturzende fascina-me bem mais.

sr. grauuu disse...

Quero deixar uma nota em relação a um ponto que por vezes se esquece em relação ao download ilegal: Quando as editoras e os artistas queixam-se do dinheiro que perdem à custa do download ilegal, esquecem-se, no entanto, q muitas das pessoas q fazem o download n teriam dinheiro para comprar e portanto esse dinheiro simplesmente não existe. E assim, o argumento que o download ilegal faz promover, de qlqr forma, a banda é em certa medida válido pois muitas vezes pessoas que n têm possibilidades de a comprar têm acesso à música, e desse modo providenciar eventualmente uma compensação alternativa à banda. E acho que o futuro, passa irremediavelmente por encontrar formas de compensação alternativa, pois é incontornável a adaptação à realidade (e a moldá-la também), e de certeza que alguns terão e estão ter muito sucesso nisso.

Joaquim Esteves disse...

Mais uma vez, voltamos a mesma problematica de comprar ou nao comprar o disco desta ou daquela banda, apenas disfarcada com um cheiro diferente...tamos a andar em circulos aqui?

Fiquei bastante feliz quando li uma noticia que referia a nova estrategia dos Radiohead. Isto tudo nao passa de uma jogada de marketing, que alguem ja deveria ter feito ha muito tempo! Ora bem, se as musicas vao parar a net d kk maneira, s as vendas dos cds diminuem, etc etc etc, ha que enverdar por outros caminhos para obter lucros, isto se a banda em questao esta direccionada para isso! Se as pessoas deixarao de comprar discos e ir as lojas e nao sei que e tal, isso nada mais eh que evolucao! durante seculos, quem queria ouvir musica, ouvia-a ao vivo. o armazenamento de musica tambem fez com que as pessoas deixassem de ir a concertos(falo isto em 60/70 anos atras, talvez).andar com ela no bolso de tras pra tras e pra frente, ainda mais recente
pessoalmente, prefiro ouvir as minhas musicas favoritas durante as minhas deambulacoes pela cidade, a beira mar, no cimo de uma montanha(ataegina no cimo da serra...nao ha dinheiro que pague!=) ), numa caminhada pela floresta, do que sentado em casa.o MP3 veio-me salvar a vida: nao tenho k andar com um colosso metido no bolso, que se estraga a minima coisa e ainda ter que andar com os cds atras!
Num mundo cada vez mais competitivo a todos os niveis, onde as pessoas, cada vez mais nao se importam de trabalhar "de borla", com milhares e milhares de bandas aqui e alem, os Radiohead foram pioneiros e inteligentes. Espero que accoes destas continuem,pois eh mesmo assim que a musica nao vai morrer completamente!!!!

lakecoventina disse...

Conheço as músicas dos Radiohead e não me encanta,claro,respeito a sua existencia e qualidade musical.Não vejo como acabar com os downloads ilegal com esta atitude deles,só entrará um pouco a mais dinheiro.Eu acho que o certo seria lutarmos contra os downloads ilegal/legal por mais difícil que isso seja.
Raramente fico á disposição da t.v. e da net,prefiro preencher o meu tempo precioso com vida...ir ao teatro,apresentação orquestra,leitura,desfrutar da natureza...irei onde o vento me soprar!Eu tenho a impressão que muitos fãns tem a opinião de que músicos fazem música como se fosse um "hobby" e por isso não pagam pelo cd(ouço muito isso)eu discordo,pra mim é um trabalho como outro qualquer.Deve haver prazeres e desprazeres,rotina.Quanto as editoras,promotores,sites downloads legal/ilegal eu acho que eles só visam o lucro "em cima"do artista.Eu fico imaginando que horror estar em algum lugar,sozinho ou com alguém e a música "para de rolar" pela má qualidade desses cds "piratiados" decepcionante!Eu tenho muito respeito pela música e quem á faz,pois desperta em mim sentimentos,desejos que a "rotina física" arranca da minha alma.Eu nunca deixei de frequentar as lojas e nem pretendo,apesar de ter alguns vendedores tão desinteressados em seu serviço que eu faço questão de não comprar com eles,as vezes o meu custo é maior,mas prefiro comprar com quem se orgulha do que faz,respeita o cliente!
Enfim,quando o assunto é dinheiro,percebemos a verdadeira face da pessoa!
Saiba que neste protesto voçe não está sozinho!
Felicidades pra ti!!!

Engel disse...

Uma ideia original, sem dúvida. Revolucionária, também, e certamente que terão os seus ganhos com a atitude, por todas as razões que já foram ditas.
Mas pessoalmente não gostaria que fosse este o rumo inevitável da música. Não gostaria de ter os CD's das minhas bandas favoritas só em formato digital. Que haja sempre a possibilidade de se ter na mão o CD físico, com todo o ritual que lhe é inerente, porque eu ainda me sinto uma miudinha a abrir o presente de Natal quando tenho um CD novo. :-)

Anônimo disse...

é, de facto, uma opção arriscada. mas pode dar lucros. É assim, o problema disto é que não acaba com os downilós ilegais.

mas, em contrapartida eles ganham dinheiro directamente, pelo blog/site, propondo começar a vender músicas on-line.

continuo, no entanto, a preferir as edições fisicas em caixas, normais, com o Booklet, etc...

a propósito, parabéns pelo Under Satanae, já cá canta! Mesmo se já conhecia as músicas, o facto de o som ser melhor agora e de ter arranjos diferentes fizeram-me comprá-lo.

Agora, venha o vosso novo álbum!

andré henriques | Ah!photo disse...

parece que a estratégia está a resultar muito bem para os radiohead:

1 semana
1,2 milhões de downloads
8$ de média por álbum

nada mau!

http://mashable.com/2007/10/19/radiohead-album-sales/

Lux Caldron disse...

Grande iniciativa sem dúvida. Mas tocaste num ponto que para mim é essencial e que temo tornar-se realidade: o anunciar do fim da era das discotecas.

Eu pessoalmente (e por muito que me cust€, ou vá custar em muitos discos que tenho de comprar no futuro) prefiro um CD autêntico. A imagem do CD, o livrinho, a própria caixa por vezes surpreendente.

Considero que os preços em vigor para CD's, ou até livros ou outros objectos de cultura são exagerados principalmente em Portugal onde os salários não são grandes, mas convenhamos... Não é a vender discos que as bandas enriquecem e a internet tem feito muito por muitas bandas na produção dos seus trabalhos, e permitindo-lhes dar concertos em todo o mundo.

Anônimo disse...

Viva!

A medida dos Radiohead foi apenas um passo em direcção ao futuro.

Eu descarreguei o album, não pelo sitio oficial, mas sim por outro meio. O que significa que foi obtido ilegalmente. Primeiro porque não sou fã da banda e não pretendia pagar (até porque não gostei), e segundo o servidor estava "entupido" (overloaded).

Não percebo porque é que é assustador as pessoas ouvirem música sozinhas. Afinal isso já não acontece?
As experiencias passarão a ser trocadas em sitios com uma componente social como o last.fm.
Porque é que uma pessoa há-de ir a uma loja comprar um CD se o pode fazer a partir de casa (seja em formato físico ou em mp3s ou noutro formato)? Descubro mais música na internet do que numa loja... Principalmente porque há bandas que nunca chegam a Portugal, ou simplesmente porque na net há mais pessoas com gostos idênticos aos meus que não ouve as mesmas bandas que eu!

Milhares de pessoas perderão os empregos? Aqui só me posso rir. Os gestores de redes e fabricantes de material informático vão precisar de mão de obra!
Desde que comecei a descarregar músicas da internet. comecei também a comprar mais de CD's (Por exemplo, não foi por ter descarregado o Memorial dos Moonspell que o deixei de o comprar!). Mas mais do que os mp3's e o futuro da distribuição de música preocupa-me o DRM que é um atentado às liberdades de cada um de nós e é difundo por editoras.

Com os melhores cumprimentos,
David

Anônimo disse...

http://www.ted.com/index.php/talks/view/id/187

Com os melhores cumprimentos,
David