sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

He's lost control (of the truth)

Finalmente! Consegui tempo e fui ver o biopic (bela designação esta) sobre os Joy Division/Ian Curtis, talvez devesse inverter a ordem aqui, realizado por Anton Corbijn que se estreia em cinema, embora, de alguma forma, na minha humilde opinião já juntasse e animasse imagens como poucos.

A primeira coisa que me veio à cabeça foi, inevitavel e infelizmente, tudo de bom, de mau,de sapiente ou de meramente exibicionista que já se tinha escrito sobre este filme. A única solução, relembro caso se tenham esquecido, era mesmo não ficar em casa e ir lá ver. Acto de contrição: não cresci a ouvir Joy Division, não tinha aquela relação talvez privilegiadamente íntima com as suas palavras e sons, não me cicatrizaram a juventude, e por aí fora. Todavia, sabia-os capazes de fazerem isso tudo e muito mais e munido apenas da curiosidade, do tempo finalmente disponível e da relação privilegiadamente íntima com toda a música achei-me suficiente preparado para ver um filme que penetrava não só a intimidade do sujeito Curtis como a de milhares.

Gostei MUITO do filme. Acima de tudo da verdade que o trespassa de uma ponta à outra. A fidelidade com que tudo é retratado, desde o microfone certo, ao movimento adequado, à emoção exacta quase sentida no desconforto da cadeira. É um filme que, tendo ficção, encerra muita verdade e nos permite viver ainda que com algum desconforto no quarto de um adolescente que organiza os seus escritos em três dossiers (Poems, novels, lyrics), a ouvir música sozinho como já não se ouve hoje em dia (por muito que teimem no contrário, acho que haverá mais gente a teclar em simultâneo do que recostado nas cadeiras, de olhos fechados, a fumarem um cigarrinho). Que nos apanha na troca de palavras meigas ou azedas, no conflito interior de um ser absolutamente normal mas cuja mente e corpo vagueiam por territórios vedados a quase todos (e daí que ele nos fala) e os quais ele nos desvela, tornando-os disponíveis.

Acredito que existam milhares de maneiras e perspectivas e sítios de onde este filme possa ser visto. Também sei que é ingrato e sempre incompleto o resultado final deste filmes. Mas, por outro lado, há, quase sempre, uma histeria generalizada como reacção a estes filmes e mesmo se o altar ficar limpo, há sempre alguém que encontrará sujidade nalgum degrau. Não tendo esta vocação de varredor, devo dizer que muitas dos filmes que vi desde o Doors de Stone até ao 24 hour party people de Winterbottom (great name!) são bem feitos, pertinentes até e que despertam e satisfazem curiosidades e medos. Isto é, a fasquia tem sido dia, bastante digna.

Mas o cinema tem esta graça: a de perpetuar mitos pela (forjada) convivência com estes. E um olhar é sempre um julgamento, um atraso, uma indirecta. Uma nascente que se atrase na provocação de uma torrente. E que bem que Control o faz.

Quase duas horas (nem tanto) de verdade (sim foi a mulher dele que escreveu o livro) ou de algo que passou por ser a verdade. Isso, muitas vezes, é o que basta.

E agora basta, vou ouvir o novo de Primordial de olhos fechados no sofá. Bom fim de semana!

15 comentários:

Anônimo disse...

estou triste...há quanto tempo já não me sento no sofá de olhos fechados a ouvir um disco?...não sei já...mas este fim de semana isso vai acontecer,prometo.Obrigado Fernando,mais uma vez ;).

quanto a joy division a verdade é que les eram apenas um nome, para mim.Passaram de nome a banda clássica do rock quando, através da cover feita pelos moonspell a "love will tear us apart",me sinti interessado por algum trabalho da banda...conheço pouco mas gosto do sentimento.

bom fim-de-semana.cultivem os momentos no sofá de olhos fechados.

colormeonce disse...

olha... dei aqui um salto porque vi no blitz o endereço. pretendo dar uma vista de olhos por este espaço sempre que possa, não porque és o Fernando Ribeiro, mas porque gosto da escrita e de sentir um pouco a vida de alguém que pode sobreviver da musica que compõe (se estou errado por favor corrige-me). o meu interesse pela musica começou com o metal, mas nestes tempos ando por outros caminhos (por acaso bonnie prince billy e leonard cohen também estão nas minhas referências). eu gostaria de dizer que também sou musico... mas sinceramente não sei o que define um musico. é o ter uma banda com algum reconhecimento e poder sobreviver com isso? é o ter o conservatório feito? é ter um curso do esmae ou do hot club? opá é um dilema. eu toco em duas bandas (não pretendo fazer publicidade)mas será que posso dizer que sou musico? não sei pá... e acredita para mim isso é um enorme dilema. por muito absurdo que isso possa parecer. não vou ouvir Primordial (sinceramente não conheço mas vou tentar conhecer) mas vou estender-me no sofá ao som de Camel, mais exactamente o álbum Camel de 1973. se me permites, uma obra prima.

Bruno disse...

Bem, realmente, é muito raro acontecer tal coisa hoje em dia, mas, por vezes, acontece... Recostarmo-nos e ouvirmos algo com a devida atenção, com ou sem cigarro... Por acaso, sou um fumador e é muito raro tal coisa acontecer, mais com a minha querida Amália Rodrigues, mas há certas coisas que realmente acontecem assim. Já me aconteceu com Nightwish, Moonspell(evito fazer a referência à sua banda, pois não quero que o Fernando(nem NINGUÉM) pense que é apenas uma referência para conseguir a publicação do meu comentário), Otep e tantas outras bandas e interpretes...
As coisas nem sempre se sucedem como desejaríamos e filmes como este(biográficos) não retratam toda a verdade... O filme biográfico que mais adoro é o da pintora Frida Khalo, uma das minhas referências na pintura e sei, tenho a plena consciência de que muita poderá ter sido deixada de fora, ou muitas outras coisas, poderão ter sido igualmente distorcidas, de modo a embelezar a vida e a própria atitude da cantora... Contudo, é um filme que recomendo vivamente, para quem gosta desta pintora, ou mesmo "Sylvia", a quem gosta da suicida Sylvia Plath, se bem que eu não conheça esta poetisa e o filme não tenha sido muito do meu agrado.

Voltando ao assunto inicial, eu mantenho olhos fechados a ouvir certas bandas ou interpretes que já referi e se for algo que eu saiba as músicas(letras, no caso) e que realmente adore, canto com eles... Com Amália, por exemplo, estou sempre a cantar... E é ela que quase me leva às lágrimas! Não tenho qualquer problema em o referir... Enfim, mas é aconselhável cultivar isso, de olhos bem fechados, com os fones nos ouvidos, ou com a música a espalhar-se pela sala, e a fumar um cigarrinho... Aproveitem e verão que a música terá outro "sabor"!! Resto de um bom fim-de-semana!!

I. disse...

Oi mais uma vez!
É provavelmente verdade quando dizes que certamente há mais gente a teclar (ou a fazer seja o que for) enquanto ouve música, do que recostado a apreciá-la. Mas aí está: é diferente o simples "ouvir" do que o complexo "apreciar". Por isso eu venho aqui contrariar só um bocadinho, porque foi ainda há bem pouco tempo que me deitei no sofá do meu quarto, luzes apagadas e olhos fechados, para proceder ao tal "apreciar", mais "escutar" do que "ouvir" os 2 CD's novos que tinha comprado (como se vê, "totally against the tide", ainda compro CD's e tenho 19 anos, oh my God! =P). E realmente há poucas coisas tão boas (para quem gosta de música, claro está)como fazer isso; estar atento a cada acorde, a cada nota, cada som... =) É tão importante o tal apreciar, o parar para escutar e deixar-nos levar, que a vida não teria a metade da piada se assim não fosse.
(Dos Joy Division não falo porque ainda não tenho suficiente conhecimento de causa :P ...Mas espero ver o filme.)
Keep on rockin and enjoying life...*

lakecoventina disse...

Não me identifico c/ Joy Division,porém fico grata por sua existencia,já que influenciou algumas bandas que eu gosto!
Eu não faço parte disso(ficar á frente do micro ouvindo música,não conseguiria sentir,respeitar os meus sentimentos dessa forma.Infelizmente eu fumo,é meu amiguinho,não gostaria mas não consigo parar(pelo menos ele avisa que irá me prejudicar).
Eu gostei do filme do Doors,simples e verdadeiro,o Val ficou tão parecido c/Jim,gosto de algumas músicas deles.Acho que alguns filmes dizem representar livros,deixam á desejar,se eu gosto do livro logicamente gostaria de assistir o que foi escrito originalmente.Acho desrespeitoso as omissões,alterações.
Adoro Primordial(black-folk) "Jorney's End"-Autumn's Ablaze amo essa música.Quando só não me jogo num sofá(não estou criticando) e sim no meu jardim,olhos abertos ou fechados tanto faz "viajo"do mesmo jeito!
O meu fim de semana foi otimo,muita picanha,cerveja e é claro muita música!Espero que o eu também tenha sido!
Felicidades!!!

Lux Caldron disse...

O filme dos Doors marcou a minha infância e despertou-me o interesse por uma banda que ainda hoje adoro.

Quanto aos Joy Division confesso que conheço à relativamente pouco tempo e o que conheço tive de o descobrir sozinho mas a verdade é que assim que os comecei a ouvir passaram rapidamente a pertencer à minha lista de bandas a ouvir com frequência. Por isso quando ouvi falar deste filme pela primeira vez fiquei com uma vontade enorme de o ir ver e irei certamente.

Boa semana

Anônimo disse...

Boas!

Fernando, gostaria antes de mais de te felicitar pelo teu trabalho, escrito e musical.
Diferencialmente a ti, os Joy Division fazem parte da minha cultura musical desde muito cedo, ainda na puberdade, altura em que os egos melhor se começam a definir e o mundo se encontra repleto de escolhas a fazer e emoções "diferentes", mais introspectivas, para sentir. A melancolia que emanava da música deles assim como o desespero sofucado na voz do Ian Curtis levavam-me a questionar a minha maneira de ver o mundo, a experiênciar uma solidão sombria mas calorosa, sensação que ainda hoje perdura.

Devo dizer que foi com algum "receio" que vi este filme acontecer. A tendência de exagerar e modificar a visão sobre certas personalidades/acontecimentos(por parte de alguns directores)torna-se por vezes assombrosa. O poder que eles têm é enorme, de influenciar quem nunca por este ou aquele motivo se tenha informado previamente sobre o que vai ver, a pessoa, ou o sítio... as supostas verdades e supostas mentiras, os mitos que rodeiam as vidas ou locais.

Isto para dizer que tal como tu fiquei muito satisfeita com o resultado do filme! Simples, a preto e branco (claro que não poderia deixar de ser!), extremamente tocante porque mostra o homem por detrás das palavras, ajuda a compreender quem ele foi e de ter feito o que fez. Confesso que não compreendia o seu suicidio apesar de saber porque o fez. Continuo a achar o desperdício de um grande talento, mas compadeci-me... só uma pessoa extremamente sensível e vulnerável faria o que ele fez.
Enfim, é um bom relato sobre ele, os Joy Division aqui são representados quase como que num plano de fundo, não dando uma noção exacta da banda, dos membros da mesma, da biografia. É um filme sobre o Ian Curtis.

A ver sem dúvida ;).

Fiquem bem, beijo.

Post scriptum: Até pode parecer velhinho mas continuo a ouvir não os discos mas os cd's a fumar um cigarrinho e a pensar na vida hehehe. Mas concordo contigo, perde-se muito tempo por vezes com inutilidades e esquecemo-nos de nos valorizar enquanto indivíduos com actos tão simples quanto ouvir música em sossego.

Lux Caldron disse...
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Fátima Inácio Gomes disse...

*suspiro* o teu artigo fez-me pensar há quanto não me deito no sofá a ouvir música... um ano, talvez (lembro-me bem da última vez e do que ouvi...)... foi o essencial que me ficou da tua mensagem (além da boa impressão sobre o "Control", que também anseio ver) - o prazer de entregar todos os sentidos à música.
Contudo, como não consigo viver sem esse arrebatamento, encontro esse refúgio... no carro.
Pois é... pode não ser tão cómodo nem romântico quanto o sofá, mas é o meu reduto: é o único espaço que encontro para a solidão, sem o qual não consigo viver... talvez por ser tão...social. Aí ouço o que quero, à altura que quero e como quero. Felizmente, como estou a meia hora do trabalho, tenho uma hora inteirinha para mim... e para a música. E sim... exceptuando a visão e o instinto... tudo o resto se deixa levar para outros mundos, tanto que nem me apercebo do trajecto. Os cavalos do meu carro sabem já o caminho :D, a ponto de, tantas vezes acontecer, quando tenho de fazer um trajecto diferente, acabar por me dirigir exactamente para o mesmo sítio! Então, "acordo" e lá tenho de inverter a marcha! :D
E descansem... não sou mais um dos perigos rodoviários, pelo menos, quando me entrego à música. Aliás, é nesses momentos que ando mais devagar, porque quase deixo ir o carro em automático... quando estou "desperta", aí é que cometo os "excessos"! ;)
Obrigada, Fernando... foi boa a pausa para esta(disparatada) reflexão! :)

Diana Marques disse...

eu ainda ouço música de olhos fechados, principalmente antes de adormecer já que, por vezes, sofro de insónias eheheh quanto ao filme, fui vê-lo logo no dia a seguir à estreia e fui sozinha, coisa que nunca tinha feito. adorei-o, achei que o facto de ter sido filmado a preto e branco deu ao filme uma carga dramática maior. e confesso que comecei a ouvir joy division à pouco tempo, mas fiquei fã das suas músicas. acho que o filme me fez aperceber, ainda mais, de que nunca podemos conhecer uma pessoa a 100% por mais tempo que passemos com ela. há sempre conflitos interiores, pensamentos, desejos, sentimentos que não contamos e que ficam amordaçados dentro de nós. anyway, sou uma fã de biopics e, não sei porquê, fico sempre um pouco deprimida quando acabo de ver os filmes...

Lord of Erewhon disse...

Um belo filme, sem dúvida.
Também gostei da tua crónica na «Loud» de Novembro... De facto a «histeria Alma Mater» ganhou cambiantes de um ícone ideológico suastiqueiro - e tu que até és um rapaz cordato, meio libertário e educado... :)

Abraço.
P. S. Ainda estou à espera do prometido livro da tua mais recente poesia.

Fio de Beque disse...

Se há momentos que me dão prazer são de facto os proporcionados pela música. Seja como executante ou como mero ouvinte, transporta-me de formas improváveis. Viajei com o Ian neste filme e revi-me nele por inteiro. A tua crónica é realmente acertada e inspirou-me a ir ali para o quarto, e tocar o Unknown Pleasures no gira discos. Obrigado.

Fátima Inácio Gomes disse...

Lembrei-me deste post no passado dia 21... vi Mécanosphère (projecto de Luxúria Canibal e outros virtuosos...)...foi a primeira vez, ao vivo.
Não descrevo agora tudo o que me acometeu, mas pensei, sim... eis algo que, para ouvir novamente, terei de estar deitada num sofá... com os olhos fechados (abertos, absolutamente, só ao vivo!)... nem sequer o carro. Deixo o testemunho, para quando tu, ou qualquer outro leitor, tiver oportunidade de v[iv]er...

Para ver apenas:
http://s15.photobucket.com/albums/a398/Eusapia/Mecanosphere/

Anônimo disse...

é estranho como a música nos faz pensar e crescer dentro de nós mesmos, quando realmente estamos abertos e preparados para isso. Tantas viagens de metro a que me indiquei a ditas reflexões e a ditas passagens de vida, a que me dediquei com tanta força e vontade. ehehehe, se me recordar de algumas já começo a debruçar.me sobre um sorriso de orelha a orelha. E nessas viagens de metro, nessas manhãs de incomparáveis filas de gente, Lisboa é um bocadinho solitária...como naqueles dias de chuva, em que tudo parece demasiado amargo. No outro dia, bem, talvez fosse mais do que no outro dia, a Alexandra me falou do filme, e da história. Isso porque Joy Division cultiva muito a melancolia e mexe muito cá dentro dos pensamentos. Nem as filas parecem mais filas, porque entretanto, o tempo ficou uniforme e eis.me de novo numa das minhas viagens de pensamento. Sim vejam o filme. é uma espécie de auto-reflexão sobre o que vale a pena neste tempo que se vive.


B -Someone whith a search.

Mandrágora disse...

Nunca o termo "motion picture" teve tanto significado, embora considere que o nosso "fotografia em movimento" tenha muito mais razão de ser no que toca ao "Control". Até hoje, qualquer filme sobre uma banda que tenha sido feito, não me deixou indiferente, e são tantos...Além do "Control", talvez por ser o último, o "No Direction Home" do Scorsese, "The Filth and the Fury" sobre os Pistols e de Julien Temple, o "Quadrophenia" dos the Who onde o próprio Pete Townshend dirige musicalmente, o "Almoust Famous", são demasiados para lembrar no imediato...acho que a música terá sempre esse efeito químico de provocar emoções até à extrema dor física, e quando temos acesso a imagens, sejam de concertos ou a biopic, o termo mais exacto e tão bem usado, então o cenário é montado e assistimos a obras de vida, de arte...