sexta-feira, 11 de março de 2011

À rasca com a chuva

Estas últimas semanas, na minha opinião, tem sido dramáticas para o país. A juntar à crise, provocada pela sobranceria das elites e governantes, está o espírito de rebanho de um povo que, tendo muitas razões de queixa, não consegue reunir a força, a moral e a personalidade que lhe permita combater, com eficácia, a corrente pela qual foi arrastado, muitas vezes por estar simplesmente a descansar nas margens. Temos de aprender a criticar a nossa acção de modo a que consigamos encontrar caminhos mais independentes do Estado e da Sociedade Civil. Temos de aprender a gerir as nossas expectativas e a alimentar a esperança com mais razão, coisa que só podemos encontrar na inteligência e dedicação com que gerimos a nossa actividade, seja ela qual for.

Portugal é um país com um potencial impressionante mas esse potencial é ignorado pela maioria das pessoas com poder executivo e de decisão. No entanto, isso não quer dizer que as coisas não se façam. Não é preciso criar um gabinete de exportação da música nacional como condição sinequanon de internacionalização da música. Bandas já o conseguiram sem dinheiro estatal. Não só bandas, como agentes individuais de cultura ou grupos de teatro. Isto a exemplo de que não pode ser regra que a cada intenção de, por exemplo, exportação de cultura se tenha de desenhar um plano que envolva dinheiros públicos. É esse círculo vicioso que faz com que existam centenas de fundações, empresas público-privadas, associações que vieram apenas consumir recursos e dificultar, tecnocraticamente, os processos.

Vivemos num país em que muito gente se sobrevaloriza. Todos já o fizemos. As pessoas com maior sucesso no nosso país são sempre as mais realistas, as que conseguem gerir a expectativa e o trabalho focado nessa expectativa da melhor maneira. Os Portugueses começam a sobrevalorizar as suas crianças logo desde as primeiras gracinhas de bébé, mas na hora de se apostar na educação e na direcção dos seus jovens, o país é tradicionalista e oportunista e prefere a solução e o caminho mais curto do que pensar a prazos mais longos. É natural que haja um colapso nas vagas de emprego para onde houve mais formandos. As pessoas, os estudantes preocuparam-se com o imediato, esquecendo a exaustão e a finitude dos recursos. O sistema de emprego Português também não facilita e é profundamente desequilibrado. Por exemplo em Medicina há uma exigência quase elitista e muitos dos nossos profissionais terão de emigrar pois num país mais desenvolvido, que valoriza a experiência e o dia-a-dia, as suas notas lhes permitem uma colocação interdita em Portugal que prefere importar médicos a equilibrar a colocação de alunos com uma média superior mas que não chega para os hospitais nacionais.

No capítulo das Artes temos de acabar com a expectativa do mecenato e elaborar uma lógica de subsistência própria. Há imensa gente de muito valor mas o fiel da balança muitas vezes pende para uma actividade artística divorciada do público e como tal separada, à nascença, da receita e do retorno que a Arte, em todo o mundo, em qualquer patamar, pode e deve gerar. O mundo artístico é um mundo que conheço bem e muitas vezes me deparo com situações de dolo, preguiça, leviandade. Metade das casas que uma ou outra vez frequentei, metade dos jantares e get togethers a que fui, e por aí fora são exemplos de que muitos artistas vivem bem melhor que a média da população e essa vivência é subsidiada pelo contribuinte, facto pura e simplesmente ignorado pelo fosso criador-consumidor que a cena, especialmente em Lisboa, alimenta de forma errada. Digo isto por contacto directo. Qualquer pessoa do teatro ou especialmente do cinema tem uma casa, carro e condições melhores que as minhas, que vivo da música, que tenho de investir com regularidade na minha actividade a nível de material, por exemplo, e que considero Moonspell como um projecto bastante activo, com centenas de concertos por ano, lançamentos mais ou menos constantes, isto para não falar dos outros projectos em que me envolvo regularmente.

Muito mais que a questão de a relva do outro lado da vedação ser mais verde, esta é uma realidade que observei e que não consegui computar mas que pode ser facilmente verificada.

Amanhã não irei à manifestação por não me identificar com a sua semântica e participantes. Por outro lado, longe de mim censurar quem luta mas terei de esperar que a esta manifestação se siga o rumo natural de tentar melhorar em casa, no escritório, no estúdio antes de se sair à rua. Na rua tudo acontece, mas entre paredes tudo se pensa.

Deixo-vos três apontamentos que achei que dignificaram a discussão, apresentando pontos de vista válidos que subscrevo na sua maior parte.

O primeiro é um texto que criou polémica com a nova geração. Tenho 37 anos e identifico-me com a maioria das palavras de Isabel Stilwell e acho que as devemos saber escutar antes de contra-atacar a verdade com argumentos umbilicais. Podem ver esse texto aqui:

http://www.destak.pt/opiniao/87876

O outro texto é de Pedro Boucherie Mendes que faz o historial necessário, contextualizando a acção de Jel/Neto, Homens da Luta. Conheço o Jel há coisa de quinze anos e sempre foi uma pessoa da intervenção. A criatura politica do momento também é um comediante: Jon Stewart. O Festival da Canção pode ser um pormenor para mim, enquanto músico e cidadão, mas os Homens da Luta serão algo mais complexo e aberto que os malucos que o país precisava para sucederem, na moda de intervenção, aos Deolinda. Fica o texto:

http://www.ionline.pt/conteudo/109069-um-homem-que-luta

E por fim uma citação do músico B Fachada (do qual manifestamente me distancio musicalmente e semanticamente) mas que respondeu com brilho a uma entrevista da revista Blitz de Março da qual destaco este excerto:

"(...) Eu não quero fazer parte dos anos Zero portugueses, tenho a ambição de uma profissionalização mais abrangente. Ouço aqueles discos (tinha citado Joanna Newson, John Grant, Ariel Pink) e o meu, ao lado deles, soa fraquinho- e isso não me satisfaz. Não me interessa perseguir um lugar nobre numa cultura pobre. Temos que conseguir melhorar os nossos estúdios, fazer com que os músicos trabalhem como se trabalha lá fora. Já chega de para português, não está mau."

Aqui se aplaude essa inquietação num país que parece, musicalmente, cada vez mais fechado sobre si mesmo, desistindo de se mostrar e de ser por em bicos de pé.

Aqui no estúdio Inferno trabalha-se com afinco, prazer e expectativa num novo disco que irá seguir à risca o lema do equilibrio entre o que fazemos e o que podemos esperar.

A todos um bom fim-de-semana e boa leitura!

4 comentários:

Pedro Sousa disse...

Só uma nota: não são os Deolinda que nos convidam a desistir, a não estudar ou a sermos "parvos". É o regime que estes políticos dos últimos 20 ou 30 anos incentivam a nossa geração a sentir! Torna-se apenas mais um eco... Não gosto da música...mas gosto ainda menos da Isabel Stillwell que tem um posto de trabalho porque pertence a uma elite que continua confortável e quando vive com recibos verdes, isso joga a seu favor ao contrário do que acontece com a maioria dos jovens... sem outra opção que acabam por trabalhar por conta de outrem e ser úteis. Finalmente uma palavra para identificar como "parvos" nós o que votamos neste regime podre e estamos desempregados! Como sei que estás de acordo com isto, apenas faço um reparo... não discordo de ti!

irina disse...

A manifestação de hoje só demontra que o sistema que os Jovens à Rasca foram contestar funciona. A democracia está viva e esta vigilância cívica deverá passar por uma sociedade civil activa,consciente e projectos para o futuro,é possível deixá-los na iniciativa millenium/ expresso.É preciso não esquecer que os políticos não se auto-elegem e que nas próximas eleições um novo ganho da abstenção não é sintoma de querer mudar seja o que for. A vida tem destas ironias...

Pedro Sousa disse...

Concordo com a ideia do esforço, concordo com a ideia do mérito, concordo com a ideia de abolir o queixume... mas a verdade é que a nossa geração e aquelas que estão a surgir são em matéria de falta de emprego, de precariedade e remuneração as piores entre adultos pós- revolução... Outro aspecto importante: uma coisa é ter sentido de luta e fazer aquilo que julgamos abaixo das nossa competências outra é não deixar de criticar um regime económico e político que nunca levou a sério a necessidade de fugir da mão de obra barata. A massa crítica é a única luz ao fundo do túnel uma vez que ninguém acreditará que possamos produzir mais barato que os chineses ou os coreanos!

Luís Silva disse...

Como é que um país de gigantes da literatura e do pensamento humanista pode ser arrastado para o lodo de cretinice e fraqueza de espírito a que todos assistimos? Lamentável...resta-nos fugir às formas cómodas e compactuantes do Sistema e combater as nossas próprias mediocridades!