Caros observers:
Aqui ponho à v.disposição os artigos já publicados nas edições de 2007 da revista Loud!. Enjoy/comment; refuse/resist!
I
Estamos Unidos na Violência
Vi um video que circula no youtube, esse interessante pântano visual, que nos adentra os olhos com o que queremos e não queremos ver, um video de backstage em que o Glenn Danzig empurra um segurança e que na “volta do correio” leva um soco daqueles à antiga, que o derruba, sem apelo, nem agravo (http://www.youtube.com/watch?v=ZpwQmJzRw-U). No video não se vê bem o resto, mas compreende-se que Danzig tenha saído maltratado física e animicamente daquele impacto que lhe jogou orgulho, insolência e corpanzil pelo chão frio e duro, igual para todos, que o esperava.
Revi nele muita das situações por que passámos nos EUA as quais, felizmente, nunca chegaram à triste celebridade que o video chegou. Situações que permitem encaixar melhor (não é piada de mau gosto) este desacerto, culminar violento e ainda melhor perceber por que se passa muito mais, quase isoladamente, do lado de lá, enquanto que na Europa gozamos a virtude da nossa paz podre, mas ainda assim paz.
O rock’n’roll, o seu folclore em movimento e hierarquia, tem ainda nos EUA contornos muito duros. A estratificação dos grupos, clubes, promotores é violenta e não obedece a critérios que se pautem pela dignidade das condições ou perspectivas. O movimento por ali, é de incisão e corte. Ganha-se calo, é verdade, e aprende-se a resistir no famoso antes quebrar que torcer, mas, o video do knock out revela um preço alto demais, causando a amnésia do abstracto principio que rege a música. Principio esse que, ao contrário do maneirismo americano do mandar à parede a ver se cola, se relaciona com o gosto em ver e tocar, coisas, hoje em dia, tão afastadas dos objectivos debatidos.
Juntando a isto a mania que toda a gente (ainda) tem e que os americanos esperam de toda essa gente, de provarem alguma coisa na terra da oportunidade, a combinação torna-se perigosa. Abreviando, em situações que se viveram na última tour, o desfecho só não foi violento, porque se conseguiu, através da paciência diplomática, confundir e convencer os nossos interlocutores americanos a usarem algo mais do que a força, que eles têm, acreditem, sempre à mão de semear. As marcas, no entanto, ficaram, como podem ler.
Basta passar uma semana na estrada e perceber esse misto de hospitalidade e pura barbárie inesperada (snapping out) de que só a nossa inteligência diferente (inferior ou superior, tem dias) nos conseguirá safar. Mesmo o acto de safar não é pacífico porque se nós pensamos os Americanos agressivos eles tomam-nos por cobardes. Talvez ninguém tenha razão. Mas lá consegui dizer uma vez, em jeito de pergunta, que se os Europeus fogem da guerra têm boas razões para isso. O que perguntei? “Quantas cidades americanas tinham sido, até ao momento, devastadas por guerras?”. Um ponto para mim, felizmente não suturado.
Terminando:
Fiquei em absoluto deprimido com aquele video: a sua montagem, o feitio do Danzig, a resposta do segurança (who watches the watchemen?) a solução violenta, os risos contidos, as bocas histéricas e as ofensas dos intervenientes nesse circo dantesco. Abomino a violência e tê-la tão perto despertou-me más memórias, de medo e desconfiança primitiva.
Admiro, e muito!, (embora não goste de muitas delas) a força intrínseca e inegável de muitas bandas americanas que, neste sistema duríssimo, percorrem aquela imensidão de país, para cima e para baixo, quantas vezes for preciso, para cumprirem o sonho legítimo de fazer parte ou de se provarem ao sistema. Sistema esse que sinceramente espero que consigam suavizar olhando para os fracotes aqui deste lado do oceano, que em toda a nossa debilidade os recebemos (exceptuando a Inglaterra) com a dignidade que a raça lutadora dos músicos merece, venham eles da violência ou da tranquilidade.
Voltemos para o mês que vem a Portugal onde isto não acontece. Onde nada acontece, aliás.
II
Posse
Não serão tantos assim os anos que passaram desde que estive, em pleno direito, na audiência de um concerto. Parecem mais devido ao (feliz) desequilíbrio entre estar em cima de um palco ou em frente dele, duas coisas que tenho privilégio em fazer, sem me desligar por completo.
Assim, fui ao primeiro dia de NIN, um concerto que aguardava com (muita) expectativa há tempo demais, como, com certeza, a maior parte da gente que estava quase colada uns aos outros, na antecipação de um momento único. Os NIN, tais como os Type O Negative, eram uma lacuna na nem sempre interessante agenda nacional e é sempre de louvar este tipo de baptismos, esperam-se sempre, em exigência justa, mais.
O ambiente do Coliseu é único. A sala envolve de uma maneira que nos faz sentir clássicos, aconchegados e com estilo. O público fica bem nesta sala e desde a acústica difícil mas única, passando pelo olhar para cima para os preciosismos dos camarotes, até à sempre desejada (e esta sim única) vibração dos pés e corpos em movimentos celebratórios, o Coliseu de Lisboa tem tudo para alcançar o estatuto mágico com que bandas e público Português sonham, em especial se de um baptismo se trata ou de uma banda preferida que se apresenta.
Dito isto e como prova singela de que ironizar, criticar sem elevar e remoer momentos de glória, não são os aspectos exclusivos desta coluna, não pude, estando entre as pessoas, de deixar de notar algo que me incomodou, e como.
Independentemente de a fazermos ou simplesmente de a escutarmos (a música), acho que não iria errar se dissesse que a dimensão emotiva, a do sentir, presenciar, absorver, observar ou dançar (no sentido lato que vai do headbanging ao valsar) é talvez a mais importante, a que nos faz continuar a comprar discos e a ir a concertos. Tudo o resto tem um papel também (coisa da qual já falei aqui em abundância) mas a termos que obter o começo da premissa, talvez a dimensão de sentir fosse o mais consensual.
Acontece que, hoje em dia, esse sentir está a ser perigosamente devorado pelo sentimento do ter, da posse. Para cada olho fechado numa canção como o Hurt, um telemóvel última geração levantado, para cada uníssono de refrão, uma exigência de uma música, para cada aplauso, um resmungo. Isto não é, sinceramente, bom.
O estado ao qual a facilidade de ter, gravar, documentar, ripar, queimar, postar, meter no you tube (ainda não há verbo mas aguardemos…), satisfazer pequenas amizades, nos levou, é, na minha opinião, deplorável. Trocamos momentos de puro deleite da psique e do corpo, sensações, por videozitos que as luzes tornam horríveis, fotos desenquadradas e tremidas, bagatelas visuais que o movimento dos corpos torna banais e estonteantes (no mau sentido).
A rapariga à minha frente, à qual peço desculpa aqui pela minha brusquidão, levantou o seu telefone/gravador, câmara no primeiro acorde do Hurt e eu tocando-lhe no braço peço-lhe para o baixar. Ela assim acedeu, pedindo-me desculpas, com toda a certeza aceites. O que perdi foi o momento exacto em que a luz se acende, trémula, sobre e debaixo do Trent Reznor e seu sintetizador, que começa a cantar, momento que seria o primeiro duma série de emoções em crescendo que, o poder desta canção, todavia, consegui despoletar. Quem nos indemniza desta perda? Onde a podemos encontrar? Num site de partilha visto nas 15” de um computador? Num fórum pessoal onde não está o Trent Reznor a cantar e a tocar ao vivo?
Muitos argumentarão: e as recordações? Pois bem essas são editadas em grande qualidade e algum estilo em DVD’s, revistas, discos e outros suportes que lá estão fazendo o papel que lhes compete, muitas vezes virando as costas ao momento, como os bons chefes das claques viram as costas aos golos e situações de perigo no futebol. Esses formatos para mais tarde, recordar e bem, fazem parte de um círculo vivo que lentamente morre às mãos do querer ter logo, partilhar e, assim, fazer (sempre) algo mais como se o ser fã de uma banda e fechar os olhos durante uma canção que arrepia não fosse um privilégio quer para quem ouve, quer para quem toca.
É neste saber o lugar e a importância do mesmo. Neste saber recusar trocar ouro por imitação. Neste sentir em vez de ter, que talvez estejam as respostas que tanto procuramos neste vento selvagem que empurra a música e quem a vive, sente e possui para paragens nada animadoras.
Guardem as máquinas no bolso e estiquem os braços completos e somente humanos para cima. Deixem de pensar em ter, comecem a sentir. Vamos ver quem ganha.
III
A invenção da roda
Se o ecrã do computador fosse um espelho, muitas vezes reflectiria esgares e movimentos, disposições, angústias rápidas e sobretudo uma que me aflige muito, em particular: parece-me tantas vezes que só digo mal, só anoto o mal, que a ele me limito, não conhecendo outra forma de viver as palavras nesta coluna.
Esta consciencialização poderia, filosoficamente, ser importante na óptica do reconhecimento deste defeito, na partida para a construção de uma nova vivência e registo das coisas. Para simplificar, dar por isto é muito importante, embora a maior parte das vezes não se dê. Então quando adentramos a nossa muy nobre, nacionalíssima e ilustre cena metaleira, o medo de só dizer o mal e do mal, torna-se mais esmagador e remete-nos à procura de um optimismo ou simpatia que, a maior parte das vezes, também não resulta.
Esta simpatia, ajudar-me-á a perspectivar esta coluna como fomentadora de pensamento e de (alguma) discussão. Por isso é que bastas vezes regresso à realidade Portuguesa como assunto inesgotável mesmo no pouco que aprecio e participo nele. O que se passa na Suécia, ou na Finlândia, ou nos EUA, com os seus bons e maus exemplos é mesmo isso: é o que se passa lá. E, todos nós, vivemos mais e vamos mais a concertos cá do que lá; conhecemos mais as pessoas de cá do que de lá. E sentimos mais o sucesso ou o falhanço dos de cá do que dos de lá. Farpas, elogios, engasganços na rua, cartas estúpidas ou sugestões brilhantes, tudo se passa cá, e é disto que, de vez em quando, preciso e gosto de vos falar.
Compreendo, como todos, que o Metal é uma comunidade mais global que local. Mas também partilho da ideia de que se o local não é bom e acarinhado, o global formado pela junção e ultrapassagem das cenas locais, também não se tornará grande espingarda. Vão à Alemanha com as suas coisas boas e más, e ajudem-me a chegar a esta premissa.
Pela boca morre o Spectator. E se na revolta de algumas últimas linhas há dois meses prometi o meu regresso a Portugal, onde não se passava nada, também fiquei contente de estar redondamente enganado. Choveram pedras sobre os meus telhados de vidro, pedras como os grandes discos de Process of guilt e Maneater; do contágio fabuloso que é um espectáculo dos Dawnrider; e claro da visita dos preciosos NIN (com ou sem telemóveis em riste) e da anunciação sacrometálica dos concertos de Type O (!), Metallica, Rotting Christ, Sodom, Red Sparrowes, Katatonia (!), entre outros, que encherão as medidas largas das sensibilidades e tumultos dos fãs de música pesada, rápida e sentida.
É aqui que entra a roda: a roda é um símbolo de continuidade. Se a sua invenção permitiu ao mundo a locomoção contínua e poderosa, o seu simbolismo sempre nos remeteu para um ciclo de acontecimentos necessário ao preenchimento pleno da vida. É por isso que se me aperta o coração ao ver um concerto dos Process of guilt, que são tão bons e com tanto potencial, sabendo todos nós que isso só não chega e que se olharmos para a galeria morta das promessas arrastadas vamos ver e sentir desgosto com a partida sempre prematura dos Sarcastic, Heavenwood, Inhuman, Thormenthor, Shrine. Pegar no The birth of a tragedy é como ver fotos dos mortos. Pensar na luta (sim louvável) dos Sacred Sin ou Ramp angustia-nos, por tudo estar, praticamente, na mesma. Ou pior.
Ninguém se calhar ainda inventou a roda na nossa cena, ou se calhar sim e ninguém ou poucos a utilizam. O problema para mim foi sempre o medo, pudor ou incapacidade das bandas em Portugal terem fãs, following como se diz lá fora, muitas vezes por culpa própria reduzindo o espectro de interesse a amigos e conhecidos (já existiram bandas que encheram autocarros com amigos para os irem ver). Isso é prejudicial, não lança ninguém para o ter de se provar a estranhos, esses sim sem razão para gostarem de nós e nos apoiarem. E não me desculpem esta verdade.
E se a roda roda e bem na continuidade de concertos, estamos no mapa,já fazemos parte; e se o “novo metal português” (não concordem se não quiserem) como os Maneater, 20IB, If Lucy Fell, enchem salas com fãs, pessoas que os seguem, de verdade, sem pudor de serem ou terem fãs, muito do Metal nacional ainda está na rede (feita de verticais e horizontais, mas sem círculos) à espera da morte da bezerra, ou seja que os amigos lhes telefonem para dizerem que curtem a demo, ou que estes artigos do mal são uma merda desnecessária e que fariam bem melhor.
O Spectator, certo ou errado, continua sobre rodas.
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