Para quem não leu na Loud! do passado mês (shame on you!!!)
Portugal Quintal
Como este artigo visa algum embaraço vamos tentar evitar, pelo menos, o embaraço inicial e dizê-lo sem pausa para respirar: sou um metaleiro famoso em Portugal. Passo, sem espinhas, por cima da polémica que possa diminuir ou aumentar a importância deste facto (se sou um famoso metaleiro ou não, se o sou lá fora também, ou não). Se não tivesse tomado esta atitude não conseguiria escrever este artigo. Feitas as apresentações, passemos às observações:
Ando sempre de Metro, quase todos os dias. Moro ao pé da estação X e vou até à estação Y. Daí, ando quinze minutos até ao nosso estúdio em Z. (Estas letras/cifras pertencem à linguagem dos famosos, não se apoquentem). Por diversas vezes sou abordado no Metro e tento responder à absoluta incredulidade das pessoas que me interpelam, com a minha mais absoluta normalidade, invocando o critério ecológico, o da agressividade dos condutores, das filas de trânsito, da rapidez do Metro e do absoluto privilégio que é, por exemplo ler a Loud!, coisa proibida de se fazer ao volante de um popó, para justificar esta minha (parece que estranha) decisão. Na contabilidade dos prós e contras o simples facto estatístico de ser menos um carro-dependente já me faz ter coragem de enfrentar filas, apertões e caminhadas.
É no Metro também que, por vezes, algumas pessoas fixam o seu olhar em mim, confusas, e saem dos seus lugares distantes para saírem na porta que me está próxima para terem a certeza. Os (não tão poucos) que se atrevem a trocarem umas palavras comigo demonstram grande surpresa, com a maioria a pensarem que os “célebres” não andam de metro. Até agora que sempre com educação o que agradeço.
Bem pior é outra situação que me aconteceu, ao que me lembro, por duas vezes. Uma num supermercado e outra à porta do clube onde pratico uma actividade desportiva. Indo eu de boné e óculos de sol (que tiro sempre dentro de portas, pois acho estranha a mania de usá-los em lugares fechados) e fato de treino, duas pessoas, uma em cada ocasião, viraram-se para mim dizendo: Muito bem disfarçado. Mas nós reconhecemo-lo. A nós não nos enganou. Devo dizer que esta situação me irritou profundamente e respondi menos bem. Se não roubei ninguém, se nada fiz de mal, (talvez de discutível para alguns, tudo bem) se tenho orgulho no que faço e se o faço com orgulho, não tenho de andar disfarçado! Não se confunda o sentimento prático com devaneio. Sempre falei com toda a gente, sempre aturei os bêbados nos concertos (tenho testemunhas!!!), sempre defendi o que acho ser verdade mesmo que essa verdade tenha por vezes, inevitavelmente, sofrido transformações e por fim, nunca deixei, embora me importe com ela, que a opinião alheia comprometesse com seriedade aquilo que quero fazer seja no supermercado ou no palco. Foi isto, compactado às situações, que respondi. No supermercado, porque à porta do clube estava ao telefone e vi passar o rapaz engravatado (quem está, na verdade, disfarçado?) que me atirou isto, contente por me ter desmascarado, dando cotoveladas de contentamento ao amigo, a caminho, talvez, do banco onde trabalha.
Nunca condenei aquela espécie de super-metaleiros que no concerto de Priest, no Atlântico, despem a sua camisa e gravata e enchem o peito na t-shirt velhinha, adentrando os portões com um brilho de fazer inveja aos que vestem de cabedal preto. Sei, por experiência própria, que a música é algo que nos invade por dentro. Nunca acusei alguém de disfarce e seria incapaz de o fazer. Sei, também, que no meu caso a imagem é importante mas que a mim não me escraviza. Pelo contrário, dá-me prazer. Sei tanta coisa ou julgo saber. Sei também que se as pessoas me ignorassem, não estariam aqui a ler-me, mas, também sei que se me ignorassem não me sentiria um nada, porque, enquanto anónimo, nunca fui um nada. Se o fosse, não estaria aqui, nem seria interpelado desta maneira que descrevo.
O que quero promover é algo de mais subtil e positivo: a normalidade. A minha que por vezes se eleva e cria algo importante para mim e para os outros. A minha que me permite andar de Metro e fazer compras no Dia. Sei bem que os “famosos” de Portugal não são exemplo para ninguém, já disse por mais que uma vez que à nossa elite de decisores e aparecidos se deve boa parte dos nossos problemas, incluindo esta história que vos trouxe hoje. Permitam-me a mim, talvez menos famoso, mas mais genuíno, e a vós próprios, anónimos, mas por vossa vontade, distintos, fazer a diferença e, juntos, abandonar de vez o quintal em que temos de viver e passar à fase seguinte. Por mim não desisto do Dia, nem do Metro (que não patrocinam este artigo) e estou pronto para os próximos capítulos.
6 comentários:
Tu não és célebre: és. De tudo o mais é inútil falar.
Abraço!
P. S. Portugal não é pequeno de alma - apesar de um o dia o Eça lhe ter chamado um sítio. Mas acontece que nunca houve política cultural, nunca houve educação planeada com um destino que tivesse por alvo o espírito - somos mal governados; ganha-se mal, viaja-se pouco; tem que se optar pelo bife ou pelo livro (opta-se pelo bife, e é justo que assim seja). Claro, tudo isso fecha os Portugueses - não num quintal, que pode ser um belo lugar - mas num curral!
Viva El Rey!
Viva Portugal!!
Infelizmente, as pessoas pensarao que ages como uma rockstar...enfim...
em relacao a tirar a gravata fora nos concertos...por enquanto, isso nao me apoquenta, mas creio que dentro de alguns anos, terei que abandonar a t/shirt da banda e troca/la por uma gravata. sacrifices must be made...mas tambem isso nao me importa muito. quem trabalha numa fabrica, usa um fato de macaco, quem trabalha com clientes, usa uma gravata.sao apenas uniformes, que nao temos necessariamente que gostar...
Quando o moonspell deram"o ar de sua graça"por aqui pela primeira vez,fui até o local antes do horário(portão fechado)eu e meus amigos fomos dar umas voltas pela região,esperando até abrirem.Eu e minha amiga nos separamos deles,e aí aconteceu a merda...perdemos o show.E não tinha como entrar,nenhum muro para pularmos!Foi uma decepção...
Ao final do show,portão aberto...ironicamente voçe passou ao meu lado,abaxei a cabeça,não tive reação,sei lá, por que fiz isso?Talvez lhe veja como inalcançavel.
Mais tarde reencontrei os meus amigos e me foi dito,que voçes conversaram,tinham sido muito simpáticos!
Em relação(vestes)sempre gostei de me vestir "social" e ás vezes roupas mais simples,é relativo.Porém entendi o que quis
dizer.Há pessoas que vestem personagens como se fossem roupas.Hipocresia é o que mais tem nesse mundo!Eu não faço parte disso e acho,espero que também não faça!
Muito bem rapaz,pratica esportes!Continue se orgulhando do que fazem voçes merecem e nós também!
Abraços!!!
Olá Fernando,
Há pouco mais de um ano, não sei precisar, estava eu a almoçar no restaurante Psi, perto do Hospital dos Capuchos, em Lisboa, quando vi ao longe um vulto negro. Há medida que o vulto se aproximava dava por mim a pensar meio timidamente “Parece o Fernando Ribeiro dos Moonspell…” e depois com feliz incredulidade surgiu-me na mente “É o Fernando Ribeiro himself”. Sentaste-te duas mesas atrás de mim e enquanto aguardavas pela chegada da comida rabiscavas um caderno. Dei por mim a pensar “É assim que surgem as letras das músicas, entre duas garfadas!?”. A ideia arrancou-me um sorriso. Se me questionasses o porquê do sorriso dir-te-ia que tu a almoçares no Psi transmitiu-me uma imagem tão grande de normalidade que me parecia um pouco irreal, pois os músicos de que gostamos, cuja música nos faz viajar para tão longe e ao mesmo tempo para tão perto de nós próprios, estão de certo modo envoltos numa espécie de aura, difícil de ”colar” na normalidade do dia-a-dia. Tem-se um pouco a sensação de estarem numa espécie de mundo à parte. Não há muito a fazer quanto a isso, faz parte da magia, julgo eu…
Resisti à tentação de te cumprimentar, de te dizer que vos sigo (hoje mais há distância) desde o Wolfheart, cujas músicas conheci através da rádio Superfm, que sou fã do Irreligious, que gosto muito do “Darkness and Hope”, que o “Memorial” será a próxima descoberta, que admiro o trabalho dos Moonspell e a postura que têm perante o público e fãs e que, por fim, agradeço o profissionalismo e criatividade que colocam no vosso trabalho. Bem hajam!
A resistência que mencionei atrás teve muito a ver com a timidez que senti, mas também com respeito por um teu momento de “normalidade”…
Algo que gostava ainda de partilhar contigo prende-se com o facto de os Moonspell e de o José Luís Peixoto terem feito uma obra única em dois actos (CD e livro). Gosto muito dos livros do JLP, particularmente do “Nenhum Olhar” e do “Cemitério de Pianos”, em cuja apresentação na Fnac em Almada tive a oportunidade de estar presente e de sentir, ao que me foi possível, um pouco do JLP, enquanto pessoa. Para mim é muito engraçado duas referências minhas, literária e musical, da minha geração (sou um ano mais nova do que vocês), editarem uma obra em conjunto. Senti-me identificada, acho eu…
Conto estar no vosso concerto em Lisboa no próximo dia 31 de Outubro. Até lá!
Sónia
Ora Portugal é de facto um pequeno quintal daqueles que tem o essencial mas se uma erva diferente aparece, é aniquilada de imediato. Es de facto alguem cujo valor é felizmente reconhecido , se bem que, nao o suficiente neste quintal onde as ervas 'daninhas' sao extraditadas. Admiro a tua 'normalidade' se bem que nunca tive em mente a ideia de que te considerasses superior ao que quer que fosse (se bem que o és relativamente a muito boa gente).
Muita bem, afinal és um de nós também. Curto sempre quando te vejo à saida de concertos, quando fazes parte de quem está do lado de cá do palco, como em Opeth, ou mais recentemente, em Dimmu Borgir. Abraço.
Bom concerto para o Coliseu, essa sala, que de muito tem de especial.
\m/
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