sexta-feira, 13 de março de 2009

Falhar melhor

Ontem foi um dia de alguma raiva pequenina, sentimento que é comum nestes e noutros dias que correram e que nos faz a dizer à boca pequena ou grande o quanto o nosso país falha, coitado do país, essa ideia e local e vibração, que embora defina os Portugueses, não os pode animar ao pormenor, na relação directa entre o pai que educa e forma e o filho que faz disso o que pode e o que quer.

Não vale a pena estar a referir o atendimento negligente, o rol enrolado de desculpas, o factor humano da crise, cada vez mais pronunciado, a ausência de ideias e com ela a ausência de esperança. O que vale a pena mencionar é o que não é feito e isso passa mais pelo que não foi feito, não em termos de acção, mas porventura de intenção, na relação directa daquilo que fica por dizer numa conversa, mas que soa tão alto; naquilo que fica por escrever num livro, mas que nos marca os sentidos; naquilo que fica por filmar num filme, mas que é o melhor dos presentes à retina.

Foi Samuel Beckett, dramaturgo e escritor Irlandês (Nobel em 1969)que cunhou esta expressão falhar melhor que no teatro justifica as quedas sucessivas, as brancas choradas pela noite dentro, o enfiar da personagem na confusão da pele e da alma, a maldição de ir fazendo sem o resultado que se espera. O teatro imita a vida, é como um concentrado da mesma, os grandes autores lambiam o dorso da vida de cima abaixo, pela frente, por trás e apresentavam-nos, mesmo na negação da mesma e da sua arte, essa vida em palco, na rua, nos bares, nas caves clandestinas. As famílias russas de Tchekóv, os loucos de Danill Harmas,o primeiro suspiro de Beckett, as zangas animalescas de poder e sexo de Sófocles, que são elas senão documentos da mais pura das vidas: a que se vive em pleno sol ou absoluta treva?

Voltando à terra ingrata, não sei se vos acontece mas o que é deprimente é mesmo a consciência absoluta de que não fazemos mais porque não queremos, que não apanhamos a caneta do chão porque nos temos de dobrar mais uns centímetros, que passamos mais uma hora na cama em vez de nos levantarmos para estarmos na vida activa, que embora trabalhemos numa empresa que representa clientes façamos de conta que o problema não é nosso, que a representação é uma miragem burocrática, que o conseguir dá muito trabalho e que esse muito trabalho é, muito mais do que queremos admitir, muitas vezes apenas um sorriso, apenas levantarmos o cu da cadeira, menos uns minutos de televisão, menos um clique à direita.

Porque cada vez mais observo e penso e sinto: a crise em Portugal é só uma questão de segundos, de centímetros, do brio magoado de um país em berço de ouro negro dos escravos, de pessoas preocupadas em deixarem passar as horas através do nada quando as podiam preencher com o tudo.

Para a semana temos os Priest para lamber as feridas com electricidade. Até lá não é contar os minutos, mas fazer com que estes contem.

6 comentários:

Joaquim Esteves disse...

É verdade, como tantos portuguese têm inerente a característica do "nem lá vou, nem lá quero ir", deixar tudo para o próximo;deixar para amanhã o que podemos fazer hoje...
Creio que seja uma característica do povo português. Que isso transtorne alguns(dos quais eu..farto de ver inércia à minha volta!!!GRRR!!!), é verdade, mas somops poucos e somos pouco empreendedores e somos pouco de tudo e queremos ser muito de muito...
Enfim, este povo, precisa mais que nunca, levar um puxão de orelhas! esperemos que esta crise o faça, na vez de algum ditador ou chefe de estado corrupto.
E temos que ver que nem tudo de mau que se passa no país é culpa do povo(somos um país um pouco azarado, também! =\ )

Cheers!

Bruno Gouveia Azeredo disse...

Deixo aqui um homem, Medina Carreira, a dizer verdades duras sobre nós de uma forma muito clara e irónica que até faz rir.

http://www.youtube.com/watch?v=LffslKoCqZo

Claro q o Crespo devia ir tomar qlqr coisa pois estar ali com ar de quem está a ver a luz não abona muito em favor dele. "Ai os partidos são como bancos alimentares, ai não sabia!" :D

E finalmente também deixo aqui um pequeno poema, cheio de saúde:

http://10.media.tumblr.com/sNzJdd6Zqjz4zpwuDAtXg5yRo1_250.jpg

Rita Cipriano disse...

E exactamente pegando em Beckett: "All of old. Nothing else ever. Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better."

Anônimo disse...

Pois é meu caro Fernando... a verdade é que todos puxam... MAS PUXAM PARA O LADO ERRADO!! pensando melhor...arrastam-se!
É com grande pena minha que vejo o que vejo todos os dias quando levanto o cadáver da cama...o que fazer? um valente puxão de orelhas colectivo! A verdade é que o povo português prefere passar grande parte do tempo na ignorância ...o estado do tempo ...o futebol...bla bla..bla.. incrível! Enfim ... resta-nos remar contra a maré! Pois que ela eterna não o seja!
Dói ser português por vezes! tenho dito ...

mary disse...

"não é contar os minutos, mas fazer com que estes contem" é decididamente uma grande frase.

mary

Anônimo disse...

Tem toda a rasão Fernando, só se ouve falar na crise, mas ninguem tenta melhorar, nem ajudar, pensão que não depende só deles que , se só eles fizerem, de nada vale a pena. E se todos pensarmos assim realmente nunca se vai chegar a algum lado, ou melhor porque isso como o Fernado diz requer trabalho, empanho.
Talvez me começe a tornar repetitiva mas o Fernando tem o dom de nos por a pensar na vida, de nos fazer reflectir sobre a vida de tudo, de vermos tudo com outros olhos sobre outra prespectiva.
Mais uma vez lhe peço, bem sei que leva uma vida agitada, com muito trabalho, mas poder vir aqui ler os seus post, só nos faz bem a alma.
Tenho o previlegio de o ter conhecido pessoalmente e de o ver algumas vezes e cada vez o admiro mais, muito obrigada
Raquel Valente