Gosto de escrever aqui quando estou exausto e mais ou menos no fim das forças, farto de lutar mais contra mentalidades do que contra improbabilidades, porque esse cansaço é como que uma certeza, uma garantia e uma assinatura. Uma revelação se quiserem que tanto me frustra como me anima, um pouco, salvem-se as comparações, como saber do paradeiro de uma pessoa desaparecida mesmo quando a nótícia não é a melhor. Daqui a pouco começa o descanso, cai o Sol, mas nesse mesmo descanso a inquietação e uma certa vigilância subsistem porque essenciais a quem quer viver da melhor das formas possíveis e, por isso, trabalhar para o garantir.
Notícias públicas e privadas mas do foro profissional conduzem-me ao assunto de hoje. Leio no Correio da Manhã que pelo menos um milhar de artistas recorrem ao subsidio de emergência da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores, da qual não sou membro), 70% músicos. À noticia acrescentam-se declarações dramáticas do seu Presidente, José Jorge Letria. Do outro lado, na minha inbox, faltam as respostas que quero e eu, teimoso, persigo-as mas sem muito resultados, queimando desde o plano A até ao plano Z e descobrindo, irritado, que nem todo depende das minhas horas ao ecrã (escrever na luz, como diz o meu amigo JL Peixoto, sem dúvida, feliz por escrever e esperar coisas bem melhores)e que o mar de Sines lá fora terá de esperar pelo mail, pela chamada, pela urgência dos que não têm urgência. Depois entra o pensamento: mas será que sou eu que não consigo desligar. Bem, já lá vamos.O tempo voa.
Sempre me chamou a atenção o factor humano das crises. Apesar de tantas as perspectivas a considerar, a verdade é que somos vítimas e culpados da mesma. Vítimas porque vivemos as consequências directas, não os políticos que as causam pois até o seu andar e o seu comer é pago por nós, por isso políticos a falar da crise é como eu a falar da fome em África depois de ter almoçado há meras horas; e culpados porque não sabemos imaginar as saídas apenas lamentando a falta delas.
Vejo uma mantinha em promoção na montra de uma loja de brindes e louças e entro na loja para tentar comprá-la. Cumprimento os empregados e peço o que quero. Dizem-me que está ali em baixo, mas eu não encontro aquela que quero, aquele padrão. Está na montra, podem ir buscá-la, por favor? Não, dá muito trabalho tirar aquela (a mais gira, a que eu quero!!!) da montra. Que faço eu? Viro as costas, mãos vazias, menos dinheiro na caixa da loja, boa tarde, a rua outra vez.
Ainda no artigo do CM, procura revelar-se uma realidade dramática. Como a compreendo! Entre 1999 e 2000, pouco mais do que 50 euros tinha para me "governar" após as contas pagas, mas em vez de recorrer ao subsídio, recorri à poupança extrema e à imaginação voluntariosa, chateando meio mundo pela subsistência, minha e do meu projecto, conseguindo marcar 3 concertos em Portugal logo depois de o nosso agente Inglês me ter dito que era impossível. Tudo bem, não foi.
É verdade que a ignorância dos nossos governantes é aguda. Que lhes passa ao lado e pela frente o fenómeno do turismo cultural e que preferm fazer um novo Museu dos Coches em vez de dinamizarem opções menos caras e mais interessantes para todos os backpackers da cultura que enchem aos magotes a Saatchi em Londres (com pessoal alternativo a distribuir flyers pelas ruas como um produto, promoção). Quando despejamos as amostras de perfume e os flyers dos restaurantes indianos na reciclagem, aperta-se-me o coração, nem um flyer de um museu, lá distantes, no pedestal, tipo manta na montra da loja.
Mas, e sempre mas, das primeiras coisas que passa pela cabeça dos nossos artistas é o subsidio, a ajuda e, como artista, tenho sempre dúvidas, que infelizmente, quase sempre se confirmam, se esses nossos artistas, já esgotaram todas as hipóteses, antes de estender a mão. Quer-me parecer que não. E porquê? Porque é mais dificil. Não vou falar do teatro aqui. É uma arte que respeito muito e à qual entendo o mecenato, nem sempre bem distribuido e nem sempre bem gasto, mas falo sobre o pudor quase generalizado em juntar a essa arte uma lógica comercial, que é boa no sentido do retorno e da fidelização de público que vindo, legitima e faz da lógica da distância artista-objecto-público aquilo que ela é: trapeira, trapaceira, absurda. Quando se recebe o mesmo todos os anos não interessa na realidade se se tem duas, vinte ou duzentas pessoas num espetáculo.
Na música, essas unidades contam a valer. Por isso, antes da ajuda, existe a fase da invenção, pensar em nós enquanto criadores e na multiplicidade dessas criações e as saídas que elas nos possam dar para a nossa subsistência. Atenção, não falo de fazer tudo, mas muito mais de procurar o equilibrio entre a arte e a sua venda, percorrendo evidências e nebulosas, sabendo que somos o nosso próprio produto e vendedor e fazê-lo com brio, distinção e ver as coisas a acontecerem.
No caso dos Moonspell eu sou letrista e cantor mas faço produção executiva, merchandise, promoção, marketing, arranjo vistos para a Bielorússia quando já toda a gente desistiu, e não porque sou melhor que os , mas porque tento muitas vezes.
É essa a nuance: acho verdadeiramente que o mundo dos artistas não se divide só em qualidade e não qualidade mas que o factor do trabalho é quase tão determinante quanto o do talento e da paciência, saber percorrer caminhos, mesmo de rastos e não dar logo a mão ao primeiro estranho que nos aparece.
Este subsidio de emergência tem aliás uma lógica perversa: se é retirado dos direitos de autor e pressupondo que esses artistas não tenho dinheiro para viver, já não os geram, não será perigoso gastar reservas de outros artistas que os geram? Quando for para pagar a estes, o que acontecerá?
Este post resulta também de alguma observação empírica. Sempre fui o artista que chegava de Fiesta com 80.000 discos vendidos a encontros e concertos onde artistas com vendas e rendimentos menores chegavam com carros de alta cilindrada. Sempre vivi num T1 modesto perante as vivendas. Esperei o meu tempo, a minha estabilidade e consegui dar passos certos, no carro, na habitação, na vida e não via essa sensatez em praticamente ninguém. A crise também é resultado dessa inconsciência. Disso não tenho dúvidas. A necessidade aguça o engenho.
Agora vou esperar que as férias dos outros terminem, que os cerebros saiam da geleia, e que o tempo que perdi hoje não seja adicionado ao tempo em que os outros preguiçaram.
A luta continua e nós temos a chave única. Não se esqueçam dela.
10 comentários:
Escutemos o Arnaldo:
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Olá :)
Sabes, normalmente as pessoas preferem escolher o caminho mais fácil. Porque pensar dá trabalho. Porque lutar implica paciência, força, e até dor. Enquanto que o caminho mais fácil é só levantar a mão, e alguém irá puxa-a... Bom, ninguém disse que isto ia ser fácil, pois não? Até há quem diga que a vida é uma constante guerra. Beijinhos
Porque as aparências é que contam, porque ser artista e já ter ganho uns míseros trocos já é motivo para a ostentação e o endividamento extremo... É uma questão cultural penso eu, como povo concentramo-nos mais no que o outro tem e nós também queremos ter do que a nossa própria capacidade de lutar para o conseguir.
Gostei bastante de ler o teu blog, começarei a ser assídua.
Cumps
Joana
Há sempre um caminho bem mais fácil por onde podemos seguir e, na minha opinião, a crise tem servido muito de desculpa para podermos seguir esse caminho sem sentimentos de culpa ou remorso (que eu quero acreditar que ainda existem em, pelo menos, parte da sociedade actual).
A crise está para ficar, parece-me! E os cenários são dramáticos, é certo, "está difícil". Mas eu também acredito que nós podemos não baixar os braços...Afinal "estar difícil" não significa ser impossível, certo?
Rita
nice point of view fernando... you are so right....
Sweet thoughts and bloddy kisses,
Alexandra.
É verdade já vi o Fernando no carro e devo dizer que fiquei surpreendido... surpreendido mas ao mesmo tempo fascinado, achei bastante humilde e para mim é à verdadeiro rocker: antes investir numa tour nos EUA do que noutro carro!!!
Assim sendo, o ditado chinês ou japonês assenta que nem uma luva nesta situação e que eu sempre defendi.
"Não dês ao pobre o peixe, mas dá-lhe uma cana e ensina-o a pescar."
A mão estendida foi sempre algo que não gostei de ver... por dá cá aquela palha, se temos de nos queixar é de nós mesmos, a nossa sorte somos nós que a fazemos, não é o acaso.
NZ
Não é facil ser artista, ainda por cima em Portugal.
Durães
ha quem se mantenha em reserva e ha quem se esforce por mostrar que as coisas nao têm de más...sempre..e mesmo caíndo na hipotese de repetição de queda uma e outra vez; algum dia a persistência da vontade terá os ses frutos. o esforço alguns anos atrás bastava, agora não, agora tem de ser um muito muito esforço, para que alguém oiça e faça algum esforço por ouvir. é como as coisas estão, é como as pessoas se vão encostando à apatia da crise.
mas, custa persistir... é uma luta inglória para quem a não busca ter, e para todos que lutam.
um bem haja para ti Fernando...
porque ensinas e porque aprendes e porque voltas a ensinar e porque vltas a aprender.
Não resisti a comentar este post, tão bem escrito e tão inteligente. Confesso que não sou uma grande admiradora de metal e menos ainda sabia que escrevias poesia (perdoa-me tratar-te por tu..). Foi há pouco tempo que li coisas escritas por ti e gostei muito, mesmo muito! Ao mesmo tempo um misto de alegria e surpresa por te encontrar ( a ti, o poeta) e tristeza, até mesmo raiva por só agora te ter encontrado. A explicação é simples: como já referi não é o estilo de música que mais me seduza e talvez por isso não te tenha dado a devida atenção. Agora que descobri os teus poemas, a tua escrita, opiniões e pensamentos prometo continuar a seguir..senão Fernando o músico pelo menos Fernando, o poeta e cidadão!
Um dia destes vi uma entrevista tua na RTP2 e valha o que valer acho que tens uma voz linda.
Bem-haja Fernando Ribeiro!
bj, Maria João
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